Ela chegou com calma, sentou do meu lado e me tocou sem medo e sem nenhum pudor. Ela olhou pra tudo que eu queria que alguém olhasse e também desviou o olhar das coisas que eu queria esconder. Ela me ensinou a receber carinho e me deu tanto amor, que as vezes eu até me afoguei nisso que transbordava dela pra mim. Logo eu aprendi a nadar nesse sentimento e a mergulhar nela, principalmente, nos dias quentes do nosso eterno verão. E quis ser terra pra ela se fazer rio e deslizar devagar sobre todas as minhas curvas, quis esquentar pra que ela fosse chuva e assim voltar pra mim, trazendo vida e alento. Mas foi ela que se fez terra pra mim e quando não a vejo, vago sem forma, ao sabor do vento. Nuvem cheia, esperando encontrar onde chover. Eu esperando que a gente se encontre pra encontrar meu sentido em você.
Eu vou colocar umas flores e talvez uns incensos ou velas, eu posso acrescentar umas cortinas, eu posso pensar em um cheiro que combinasse com a forma que eu queria que você tivesse me olhado aquela noite. Cheiro de fêmea. Eu posso aumentar e diminuir o brilho nas tuas pupilas gigantes e o fogo das velas refletido nelas. Eu posso acrescentar o frio que eu teria sentido na espinha e a mistura na minha barriga com o calor que subiria pelas minhas pernas. Eu posso imaginar a textura do seu lábio inferior, a temperatura e até o gosto de terror que o Chico Buarque cita na música. Eu posso fazer o que eu quiser por que na minha imaginação toda a vida funciona da forma ideal, os beijos que devem ser dados se dão e os amores que devem ser feitos se fazem. Por que na minha mente aquela fração de segundo onde nascem beijos e até universos dura o tempo que eu quiser.
Precisa chover nessa terra seca, a gente reza a Deus, a gente dança e chora, a gente se muda e chora e se chorasse um pouco mais haveria um açude de água de lágrima. A terra é vermelha ou preta, a terra voa com o vento na nossa cara e desenha a lágrima, a lágrima igual a do gado deitado sobre o solo quente, olhando pra gente chorando embaixo do céu azul e laranja. Passam as nuvens pequenas lá em cima, elas tem um pouco de esperança, esperança que passa e não chove. O céu azul é testemunha da nossa prece calada, olhando pro céu, procurando o pai, pra onde ele foi e porque levou nossa água? E assim passam os anos, a terra, gestante e magra, vai parir escassas sementes para alimentar nossos filhos, nós e a terra. Nossos filhos vão crescer ali, embaixo do mesmo sol, e o tempo vai passar junto com o vento e a poeira. Pra quem sabe um dia o paraíso a gente encontrar, espalhado nessa terra, verde, molhado, com baijas de feijão e cachinhos de arroz. Deus voltou e trouxe a água. ...