13 reasons why: o machismo mata de muitas formas
13 reasons why: o machismo mata de muitas formas
O machismo está no início, no meio e no fim do drama de Hannah Baker

ALERTA DE SPOILERS
Confesso que tive preconceito antes de começar a ver a série “Thirteen reasons why”, produzida por Selena Gomez, baseada no romance ficcional homônimo do escritor Jay Asher.
Na minha percepção torta e preconceituosa, parecia só mais uma drama adolescente, mas que mexia com um tema considerado tabu e que era até um pouco perigoso abordar para um público tão jovem, que talvez estivesse despreparado para uma carga tão forte de emoção e drama.
Mas a Netflix, aaahh a Netflix, fez de novo. A série é viciante e prende do começo ao fim. A carga dramática é bem forte, você se sente mal assistindo a série. Sente um embrulho no estômago, tem esperança que alguma coisa mágica aconteça e a Hannah desista uma hora.
Pois é, conseguem tornar o suicídio bem real e te colocar naquele universo, tornar a garota sua amiga e te fazer querer ajudá-la e depois te fazem pensar em quem pode estar assim a sua volta.
Depois de assistir tudo em 2 dias, vejo a série como uma releitura atual sobre o livro, que nos faz ver algumas coisas que antes eram muito corriqueiras como o absurdo que sempre foram.

O assédio a personagem Hannah Baker começa a partir de um caso de machismo. A personagem começou a ser chamada de vadia por ter uma foto descontextualizada vazada no colégio, então passou a ser assediada por outros estudantes e isso influencia sua depressão e todas as suas relações dai em diante.
Duas coisas me impactaram muito: como é fácil uma mulher ser taxada de puta; como a personagem em nenhum momento teve nenhum pensamento feminista de questionar o que ocorreu, de pensar: e daí que vazou essa foto, foda-se para a escola inteira já que ela não havia feito nada demais.
Falta sororidade na série. Hannah está sempre enfatizando como sentia falta de ter amizades, sobretudo as femininas. Sobra misoginia, cultura de estupro e machismo.
Na ficção, a personagem é vítima não só do estupro, como de muitos os problemas causados pela cultura machista. Ela sofre violência ao ter a reputação atacada, ao perder a melhor amiga por uma intriga causada por um homem, ao ter sua foto vazada, ao ser assediada por outros homens, ao ser difamada por homens e mulheres e ao ser perseguida. Até mesmo no preconceito que a personagem feminina que sente atração por mulheres sente vergonha de si mesma e afeta a Hannah por medo.

Na série, Bryce é a representação da cultura de estupro e de suas diversas matizes. Além de expor a foto de Hannah, estupra Jessica com a “permissão” do namorado dela e seu melhor amigo; estupra Hannah e agride fisica e verbalmente pessoas, sempre com o apoio do seu grupo de amigos homens. Bryce é o astro do time e é admirado e homenageado por toda a escola, onde o chamam de exemplo. Ao ser confrontado, usa diversos argumentos machistas para justificar o estupro e sempre parece sair impune das situações.
Sentindo-se sozinha depois de ser estuprada, Hannah decide acabar com a própria vida. Na série, a personagem sofre ainda agressão quando em um encontro é tocada de uma forma sexual e ainda presencia o estupro da melhor amiga e fica paralisada sem conseguir impedir. A agressão sexual está muito presente. Pode parecer um exagero mas levando em consideração que no Brasil uma mulher é estuprada a cada 11 minutos (a estatística cobre apenas casos denunciados) percebemos que não é.
Apesar de ser um momento de dor extrema, a reação das pessoas a uma denuncia de assédio geralmente é cruel. Existe uma infinidade de argumento que os homens, e até outras mulheres, usam para interrogar uma vítima de assédio, que já está bem desgraçada da cabeça.

Isso sempre desencorajou as mulheres a denunciar. A vergonha e o medo, sobretudo da reação que irão encontrar, fazem com que a maioria prefira manter o assédio em segredo e tentar “esquecer e seguir a diante”, com aquela marca eterna na vida e na mente. Assim, os estupradores ficam impunes e livres.

Na série, Hannah presencia o estupro de sua amiga Jessica que estava bêbada em uma festa e também é estuprada. Ao tentar relatar a agressão que sofre ao orientador na escola, ouve que deve tentar esquecer o que aconteceu.
Fui pesquisar quando o livro havia sido lançado e descobri que foi em 2007. Não pude deixar de pensar que se o livro fosse escrito nos últimos anos, teria alguns elementos diferentes. Feminismo e sororidade tem ganhado mais corpo na vida das mulheres.
A cultura de estupro, presente na série por uma opressão velada que a personagem sofre e pelo comportamento dos caras do time, tem sido trazida a luz. Nos últimos anos, essa violência tem ganhado rostos, nomes e descrições de alguns de seus modus operandi covardes.
As redes sociais finalmente deram a mesma possibilidade de fala a homens e mulheres e isso está causando uma verdadeira revolução na forma com que lidamos com a opressão machista e a tudo o que a cultura do patriarcado nos diz que é certo ou errado.
Hashtags como #primeiroassedio #meuamigosecreto #vamosjuntas #mexeucomumamexeucomtodas #niunamenos deram voz a um dos tipos de agressões mais comuns, senão a mais comum, e sobretudo, mais covarde de todas: a violência sexual. Pela primeira vez mulheres se sentiram acolhidas ao falar de temas muito dolorosos. E isso vem ganhando muita força ao longo dos últimos anos.
Nas redes, muitas mulheres e até alguns homens puderam denunciar violências sexuais físicas e psicológicas que sofreram sem que fossem interrompidas, sem que a chamassem de loucas, sem que a chamasse de fáceis, sem que a perguntassem como estavam vestidas, se estavam bêbadas, se haviam se oferecido, ou até mesmo se não se tratava de um elogio, o assédio que sofreram.
Apesar de não podermos afirmar com certeza o impacto dessa revolução sobre os casos de estupro e de sabermos que o crime continua sendo bastante recorrente, com as hashtags feministas, o que antes era um segredo perturbador pôde ser jogado a luz e culpados foram expostos. Isso encorajou mulheres e desencorajou agressores
Escrita por um homem, a história que apenas descreve o cotidiano de colégios e faculdades nos Estados Unidos e ao redor do mundo, acaba mostrando como o feminismo é necessário a todos, mulheres e homens, principalmente na adolescência. Para dizer que você não é culpada por sofrer agressão e que, se você é homem, você precisa entender o que é consentimento.
A história se sustenta sobre problemas muito graves, mas que assim como o machismo e a cultura de estupro, precisam ser trazidos a tona: o bullying e o suicídio. Além de falar da importância da amizade e sobre como empatia e atenção podem ser vitais. A obra de ficçao ensina muito a adolescentes e a adultos que hoje aprendem a conviver nesse novo mundo, um pouco mais igualitário e mais amigável a todos, principalmente às mulheres.
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