Exposição “Negros na piscina”: Quando o Brasil retrata a si mesmo
Arquivo - postado em: Apr 27, 2023
Exposição “Negros na piscina”: Quando o Brasil retrata a si mesmo

Aniversário de 6 anos da Renatinha, 1988, Afonso Pimenta | Projeto Retratistas do MorroRevoluções podem ser lentas, mas depois da flecha lançada ou da pedra atirada não há volta.
Se como citou o Emicida: “Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje”, nós, que tivemos acesso à universidade pelas políticas dos primeiros governos do PT, agora nos juntamos a população não branca do Brasil para construir uma nova narrativa sobre a nossa história, sobre a nossa estética e sobre a nossa arte.
Porque belo no Brasil por muitos séculos foi também considerado sinônimo de branco. A cultura e a expressão corporal e artística produzida por pessoas não brancas foi marginalizada por uma elite que detinha os meios de produção e disseminação artística.
Como o meio da arte é progressista por natureza, muitos artistas tentaram trazer novas visões, por vezes de denúncia, mas essas visões vinham carregadas dos vieses de pessoas que viam a realidade brasileira do alto do seu prédio numa região nobre e mesmo com consciência de classe e gênero, a nossa história sempre precisava de intermediários.
Não que olhares aliados não sejam bem vindos e contribuam com a construção da democracia de representações, mas essa não pode ser a única possibilidade.
Uma visão artística enviesada sobre a realidade da maioria da população brasileira tende a mostrar o diferente ou como exótico, marginal, ou de na forma degradante da vítima inerte.
Um exemplo famoso desse caso na literatura é o Jeca Tatu, personagem de um autor revisitado a luz de uma história que agora compreende representações mais inclusivas.
Em Jeca Tatu Primeiro, Lobato falava sobre um “caipira” preguiçoso e aproveitador. Num segundo olhar, o autor transformou a personagem em uma vítima ignorante do destino, relegado à pobreza, vivendo em um lugar afastado do contexto urbano, logo pobre.
Hoje sabemos que os agricultores familiares que vivem afastados dos grandes centros urbanos são quem de fato coloca comida na mesa do Brasil inteiro e a zona rural é rica de diversidade de fauna, flora, cultura e de pessoas com histórias. Como reduzir tudo isso ao esteriótipos de matuto, caipira ou jeca?
Verdade que o autor tinha espaço e recursos para produzir obras que dialogavam com os consumidores de arte de sua época, porque a arte também se retroalimenta.
Para que hoje possamos falar como comunidade e com propriedade que o retrato que Monteiro Lobato pintou do Brasil tinha tintas eugenistas, foi preciso primeiro que muitos de nós adquiríssemos acesso ao respaldo social e acadêmico para fazer nossas vozes terem possibilidade de disputar espaço com as vozes que antes nos impunham silêncio diante de visões racistas na arte. Tudo isso para termos o direito de falar sobre a nossa própria realidade.
Durante muito tempo, as mesas que discutiam racismo eram compostas por pessoas brancas, e as mesas que discutiam feminismo eram compostas por homens. Por isso, disputar a possibilidade de contar a própria narrativa é um campo crucial para a construção da justiça social. Um povo com voz conta a sua própria história.
O campo da arte e da cultura, assim como foram as universidades antes, precisa ser ocupado por pessoas com novas histórias, memórias, ideias, cosmovisões e narrativas. A arte é essencial para a construção da identidade.
Muitos brasileiros viverem boa parte de suas vidas se identificando como pessoas brancas porque só viam pessoas brancas retratadas nas novelas, como apresentadores de jornais e programas de auditório, como artistas como espaço na grande mídia nacional. Essa constatação dá o peso que a mídia e a arte tem na construção de imaginários.
A nossa arte ainda é colonizada quando não inclui novos corpos, narrativas, olhares e vivências mais diversos e quando não abre espaço para arte que é produzida e exposta fora dos lugares legitimados como locais de arte.
Na minha experiência, ao visitar a exposição “Negros na piscina” me encantou ver tanta gente se reconhecendo nas fotos de aniversário e se emocionando. Um sorriso, uma gracinha, um quentinho que seja no coração que se expressa só como brilho nos olhos. Era muita gente que antes nunca e — nunca antes na história desse país — havia se visto retratada daquela forma gentil e feliz num espaço de arte.
Existe toda uma cultura e estética periférica tanto urbana quanto rural que sempre foi desconsiderada nos ambientes de arte. Qual seria a cara da arte brasileira se os artistas periféricos fossem incluídos nos espaços de arte? Uma prévia dessa visão está na exposição “Negros na piscina”.
Texto em construção.
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