Postagens

Torna-te o que tu és!

Todas as minhas teorias de vida dançam uma ciranda, desconexas e conexas, se completando ou contradizendo, pra que preciso de tantas? Sou levada pelas águas desse rio que não sei onde acaba, as ruas são o leito desse rio, os carros e os aviões são a correnteza, vou escorrendo pelos dias. As minhas verdades, cheias de razão são tão cansativas, com todas as suas explicações. Os meus medos são tão rasos. Me escrevo para me desentender, pra me confundir, pra desabafar. Estou cansada dos meus contrários, de olhar os meus abismos. A vida é mesmo essa corda bamba onde se deve sempre parar no meio, mas o meio é tão sem graça. Quero ir nos extremos.

Precisa chover

Imagem
Precisa chover nessa terra seca, a gente reza a Deus, a gente dança e chora, a gente se muda e chora e se chorasse um pouco mais haveria um açude de água de lágrima. A terra é vermelha ou preta, a terra voa com o vento na nossa cara e desenha a lágrima, a lágrima igual a do gado deitado sobre o solo quente, olhando pra gente chorando embaixo do céu azul e laranja. Passam as nuvens pequenas lá em cima, elas tem um pouco de esperança, esperança que passa e não chove. O céu azul é testemunha da nossa prece calada, olhando pro céu, procurando o pai, pra onde ele foi e porque levou nossa água? E assim passam os anos, a terra, gestante e magra, vai parir escassas sementes para alimentar nossos filhos, nós e a terra. Nossos filhos vão crescer ali, embaixo do mesmo sol, e o tempo vai passar junto com o vento e a poeira. Pra quem sabe um dia o paraíso a gente encontrar, espalhado nessa terra, verde, molhado, com baijas de feijão e cachinhos de arroz. Deus voltou e trouxe a água. ...

Desgramática

Essa história mal escrita me tirou a concordância e a regência. Dei a ela todos os meus adjetivos. Fiquei página em branco, voz passiva, sujeito indeterminado, um travessão mudo, artigo indefinido, verbo regular, deixei de ser. Quisera ser feliz, quando me imaginava primeira pessoa do plural, pretérito mais-que-perfeito. Hoje reaprendo a viver e sofrer infinitiva e no singular, enxugando as virgulas do meu rosto. Reescrevendo as orações do passado sem o teu pronome de tratamento eternamente oblíquo. Tentando ler a vida além do ponto final. Preciso de uma borracha pra apagar a memória, novas regras de acentuação, enxugar os períodos em casa, parar de acreditar nos amores-perfeitos com ou sem hífen; conhecer novas línguas e embarcar em algum realismo fantástico.

Trecho do livro Budapeste

Imagem
Eu era um jovem louco e saudável quando adentrei a baía de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de Janeiro e conheci Tereza.Ao ouvir cantar Tereza, caí de amores pelo seu idioma, e após três meses embatucado, senti que tinha a história do alemão na ponta dos dedos.  A escrita me saía espontânea, num ritmo que não era meu, e foi na batata da perna de Tereza que escrevi as primeiras palavras na língua nativa. No princípio, ela gostou, ficou lisonjeada quando eu lhe disse que estava escrevendo um livro nela. Depois deu para ter ciúme, deu para recusar seu corpo, disse que eu só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capítulo quando ela me abandonou.  Sem ela, perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em largar tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônico diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Tereza. Experimentei escrever alguma coisa em mim mesmo, mas não ...

Pulsões de domingo à tarde II

Imagem
Imagem: weheartit Até bem pouco tempo atrás, eu queria mudar o mundo. Hoje descobri que o mundo sou eu...

Cinza

Imagem
Alguma coisa vai mudar, eu sei, eu já mudei. Meu espírito é como um rio que procura o mar, minhas águas já não são mais as mesmas, e eu comemoro outra revolução buscando o mar. Por hora meu espírito agradece, louva pela luz que mergulha do céu e desliza suave, brilhando nas copas das árvores, lagos, flores, admiro a tela de Deus. Por hora o tédio me consome, enquanto o tempo me arranca de mim. Saboreio meu caos particular, caos gerador, caos criador. A cada ano tento me resumir, filtrar tudo o que eu vivi, destilar o que vou levar pra sempre; tento evoluir. Embora me pegue por vezes topando nos meus erros de criança, com medo do escuro, querendo colo, seio e alento de mãe. Renasço das minhas cinzas, reacendo a chama, olho o horizonte com olhos destreinados e me apaixono mais uma vez pela vida; minha alma flameja, vendo tudo pela primeira vez, me apaixonando de novo e de novo. Confesso que não existe sensação melhor do que a de começar algo, uma folha bra...

1+1

Amor à primeira vista, de verbo, não se faz carne, não existe além das palavras, amor de verdade precisa se conhecer bem, e ama-se principalmente os defeitos, não existe sensação melhor do que sentir-se amado em seus defeitos. Amor de verdade só se concede depois de horas de voo ao telefone, noites não dormidas, amor de verdade exige ver por baixo da roupa, principalmente por baixo da maquiagem, a cara amassada pela manhã, o delicioso mau humor, o silêncio compartilhado onde se fala tudo, telepatia da intimidade, pra quem é adepto, nada melhor. Melhor ainda é a vontade louca de se contar inteiro pra outra pessoa, e a lembrança que te acompanha o dia inteiro, tão natural, de ver os olhos brilhar por suas conquistas como se olhasse em um espelho, ah! Esse sim, é o amor. O amor é abstrato por natureza, exige expressão carnal de desejo. Sentir-se amado de corpo e alma. O resto é problema matemático.