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noite estranha

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Eu vou colocar umas flores e talvez uns incensos ou velas, eu posso acrescentar umas cortinas, eu posso pensar em um cheiro que combinasse com a forma que eu queria que você tivesse me olhado aquela noite. Cheiro de fêmea. Eu posso aumentar e diminuir o brilho nas tuas pupilas gigantes e o fogo das velas refletido nelas. Eu posso acrescentar o frio que eu teria sentido na espinha e a mistura na minha barriga com o calor que subiria pelas minhas pernas.  Eu posso imaginar a textura do seu lábio inferior, a temperatura e até o gosto de terror que o Chico Buarque cita na música. Eu posso fazer o que eu quiser por que na minha imaginação toda a vida funciona da forma ideal, os beijos que devem ser dados se dão e os amores que devem ser feitos se fazem. Por que na minha mente aquela fração de segundo onde nascem beijos e até universos dura o tempo que eu quiser.

Tempo

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Parece que o tempo conversa comigo. Parece que por minha lentidão parecer com a dele, ele me aceita e me revela alguns de seus segredos. A gente se abraça e acompanha passando um pelo outro e também pelos outros. A gente briga, eventualmente, então esquecemos as outras bondades e só olhamos o mal que nos fazemos. Depois a gente se perdoa e se abraça e eu o beijo forte e lento e tento agradecer por todas as coisas maravilhosas da vida, por todo o carinho, gozo e sorriso que ele me proporcionou. Para alguns é tempo perdido, para mim é encontro com o tempo. Nada mais bonito que admirar o doce balanço do tempo a passar e me encontrar em suas curvas. Tempo, desculpa se as vezes eu cego diante dos teus contratempos, me ama nos dias dias azuis e cinzas que eu também vou te amar pelo tempo que te tiver.

Torna-te o que tu és!

Todas as minhas teorias de vida dançam uma ciranda, desconexas e conexas, se completando ou contradizendo, pra que preciso de tantas? Sou levada pelas águas desse rio que não sei onde acaba, as ruas são o leito desse rio, os carros e os aviões são a correnteza, vou escorrendo pelos dias. As minhas verdades, cheias de razão são tão cansativas, com todas as suas explicações. Os meus medos são tão rasos. Me escrevo para me desentender, pra me confundir, pra desabafar. Estou cansada dos meus contrários, de olhar os meus abismos. A vida é mesmo essa corda bamba onde se deve sempre parar no meio, mas o meio é tão sem graça. Quero ir nos extremos.

Precisa chover

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Precisa chover nessa terra seca, a gente reza a Deus, a gente dança e chora, a gente se muda e chora e se chorasse um pouco mais haveria um açude de água de lágrima. A terra é vermelha ou preta, a terra voa com o vento na nossa cara e desenha a lágrima, a lágrima igual a do gado deitado sobre o solo quente, olhando pra gente chorando embaixo do céu azul e laranja. Passam as nuvens pequenas lá em cima, elas tem um pouco de esperança, esperança que passa e não chove. O céu azul é testemunha da nossa prece calada, olhando pro céu, procurando o pai, pra onde ele foi e porque levou nossa água? E assim passam os anos, a terra, gestante e magra, vai parir escassas sementes para alimentar nossos filhos, nós e a terra. Nossos filhos vão crescer ali, embaixo do mesmo sol, e o tempo vai passar junto com o vento e a poeira. Pra quem sabe um dia o paraíso a gente encontrar, espalhado nessa terra, verde, molhado, com baijas de feijão e cachinhos de arroz. Deus voltou e trouxe a água. ...

Desgramática

Essa história mal escrita me tirou a concordância e a regência. Dei a ela todos os meus adjetivos. Fiquei página em branco, voz passiva, sujeito indeterminado, um travessão mudo, artigo indefinido, verbo regular, deixei de ser. Quisera ser feliz, quando me imaginava primeira pessoa do plural, pretérito mais-que-perfeito. Hoje reaprendo a viver e sofrer infinitiva e no singular, enxugando as virgulas do meu rosto. Reescrevendo as orações do passado sem o teu pronome de tratamento eternamente oblíquo. Tentando ler a vida além do ponto final. Preciso de uma borracha pra apagar a memória, novas regras de acentuação, enxugar os períodos em casa, parar de acreditar nos amores-perfeitos com ou sem hífen; conhecer novas línguas e embarcar em algum realismo fantástico.

Trecho do livro Budapeste

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Eu era um jovem louco e saudável quando adentrei a baía de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de Janeiro e conheci Tereza.Ao ouvir cantar Tereza, caí de amores pelo seu idioma, e após três meses embatucado, senti que tinha a história do alemão na ponta dos dedos.  A escrita me saía espontânea, num ritmo que não era meu, e foi na batata da perna de Tereza que escrevi as primeiras palavras na língua nativa. No princípio, ela gostou, ficou lisonjeada quando eu lhe disse que estava escrevendo um livro nela. Depois deu para ter ciúme, deu para recusar seu corpo, disse que eu só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capítulo quando ela me abandonou.  Sem ela, perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em largar tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônico diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Tereza. Experimentei escrever alguma coisa em mim mesmo, mas não ...

Pulsões de domingo à tarde II

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Imagem: weheartit Até bem pouco tempo atrás, eu queria mudar o mundo. Hoje descobri que o mundo sou eu...